Inferno, o quarto livro do escritor Dan Brown sobre o criptologista Robert Langdon, chegará às livraria em maio no Reino Unido. No Brasil, a editora Sextante publicará Inferno em junho, com uma tiragem inicial de 300 mil exemplares.
Inferno" apresenta o retorno do famoso simbologista de Harvard e
protagonista de "Código Da Vinci" Robert Langdon, e se passa na Itália,
centrando-se na obra literária "Inferno de Dante".
Abaixo trecho inédito do livro Inferno com tradução de Fernanda Abreu e Fabiano Moraes.
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As lembranças se materializaram lentamente, como bolhas vindo à tona da escuridão de um poço sem fundo.
Uma mulher com o rosto coberto por um véu.
Robert Langdon olhava para ela do outro lado de um rio cujas águas
agitadas corriam vermelhas, tingidas de sangue. De frente para ele, na
margem oposta, a mulher o encarava, imóvel, solene. Trazia na mão uma
faixa azul, uma tainia, que ergueu em homenagem ao mar de cadáveres aos
seus pés. O cheiro da morte pairava por toda parte.
Busca, sussurrou a mulher. E encontrarás.
Langdon ouviu as palavras como se ela as tivesse pronunciado dentro de
sua cabeça. "Quem é você?", perguntou ele, sem que sua voz produzisse
som algum.
O tempo urge, sussurrou ela. Busca e encontrarás.
Langdon deu um passo à frente, em direção ao rio, mas então viu que as
águas, além de ensanguentadas, eram profundas demais para que ele as
atravessasse. Quando tornou a erguer os olhos para a mulher de véu, os
corpos aos seus pés tinham se multiplicado. Eram agora centenas,
milhares talvez, alguns ainda vivos, contorcendo-se de agonia, padecendo
mortes inimagináveis... consumidos pelo fogo, enterrados em fezes,
devorando uns aos outros. Podia ouvir os lamentos humanos ecoarem acima
da água.
A mulher se moveu em sua direção com as mãos esguias estendidas, como quem pede ajuda.
"Quem é você?!", gritou Langdon outra vez.
Em resposta, a mulher levou a mão ao rosto e ergueu lentamente o véu.
Sua beleza era arrebatadora, porém ela era mais velha do que Langdon
imaginara: 60 e poucos anos talvez, altiva e forte, como uma estátua
atemporal. Tinha um maxilar anguloso, de aspecto severo, olhos
penetrantes e intensos e longos cabelos grisalhos, cujos cachos lhe
caíam em cascata sobre os ombros. Um amuleto de lápis-lazúli pendia de
seu pescoço --uma serpente solitária enroscada em um bastão.
Langdon teve a sensação de que a conhecia, de que confiava nela. Mas como? Por quê?
Ela então apontou para duas pernas que brotavam da terra, se
contorcendo. Aparentemente eram de alguma pobre alma enterrada até a
cintura, de cabeça para baixo. Uma letra solitária escrita com lama se
destacava na coxa pálida do homem: R.
R?, pensou Langdon, intrigado. R de... Robert? Será que esse... sou eu?
O rosto da mulher nada revelava. Busca e encontrarás, repetiu ela.
Subitamente, ela começou a irradiar uma luz branca... cada vez mais
forte. Todo o seu corpo começou a vibrar com intensidade e, então, com
um estrondo repentino, ela explodiu em mil faíscas.
Langdon acordou sobressaltado, aos gritos.
Estava sozinho no quarto iluminado. O cheiro pungente de álcool
hospitalar pairava no ar. Ali perto bipes de máquina soavam em discreta
sintonia com o ritmo de seu coração. Tentou mover o braço direito, mas
uma dor lancinante o impediu. Olhou para baixo e viu que um cateter
intravenoso repuxava a pele de seu antebraço.
Sua pulsação se acelerou e as máquinas acompanharam o ritmo, passando a emitir bipes mais rápidos.
Onde estou? O que aconteceu?
A nuca de Langdon latejava, uma dor torturante. Com cautela, ele ergueu o
braço livre e tocou o couro cabeludo, tentando localizar a origem da
dor de cabeça. Sob os cabelos emaranhados, encontrou as extremidades
duras de uns dez pontos incrustados de sangue seco.
Fechou os olhos e tentou se lembrar de algum acidente.
Nada. Branco total.
Pense.
Apenas escuridão.
Um homem com roupa cirúrgica entrou apressado, aparentemente alertado
pela aceleração dos bipes do monitor cardíaco de Langdon. Tinha barba
desgrenhada, bigode cerrado e olhos bondosos que irradiavam uma calma
atenciosa por baixo das sobrancelhas revoltas.
-- O que... o que houve? -- Langdon conseguiu perguntar. -- Eu sofri algum acidente?
O barbudo levou um dedo aos lábios e tornou a sair às pressas para chamar alguém no corredor.
Langdon virou a cabeça, mas o movimento fez uma pontada de dor
atravessar seu crânio. Respirou fundo várias vezes e esperou a dor
passar. Então, com cuidado e de forma metódica, examinou o ambiente
estéril ao seu redor.
O quarto de hospital continha uma cama só. Não havia flores. Não havia
cartões. Viu as próprias roupas em cima de um balcão próximo ao leito,
dobradas dentro de um saco plástico transparente. Estavam cobertas de
sangue.
Meu Deus. Deve ter sido grave.
Langdon girou a cabeça bem devagar em direção à janela ao lado da cama.
Estava escuro lá fora. Era noite. A única coisa que ele conseguia ver no
vidro era o próprio reflexo: um desconhecido abatido, pálido e exausto,
ligado a tubos e fios e cercado por equipamentos hospitalares.
Ouviu vozes se aproximando pelo corredor e tornou a olhar para o quarto. O médico voltou, dessa vez acompanhado por uma mulher.
Ela parecia ter 30 e poucos anos. Usava roupa cirúrgica azul e tinha os
cabelos louros presos em um rabo de cavalo grosso que balançava ao ritmo
de seus passos.
-- Sou a doutora Sienna Brooks -- apresentou-se, abrindo um sorriso para
Langdon ao entrar. -- Vou trabalhar com o dr. Marconi hoje à noite.
Langdon assentiu com um débil meneio de cabeça.
Alta e graciosa, a dra. Brooks se movia com a desenvoltura assertiva de
uma atleta. Mesmo com aquela roupa folgada, conservava uma elegância
esguia. Por mais que Langdon não percebesse nenhum traço de maquiagem,
sua pele tinha uma suavidade incomum, a única mácula era uma pinta
minúscula logo acima dos lábios. Os olhos, de um tom castanho suave,
pareciam estranhamente penetrantes, como se houvessem testemunhado
experiências de rara profundidade para alguém tão jovem.
-- O dr. Marconi não fala inglês muito bem, então me pediu que
preenchesse sua ficha de admissão -- disse ela, sentando-se ao seu lado.
Voltou a sorrir.
-- Obrigado.
-- Certo -- começou ela, assumindo um tom de voz sério. -- Qual é o seu nome?
Ele precisou de alguns instantes.
-- Robert... Langdon.
Ela apontou uma lanterninha para seus olhos.
-- Profissão?
Ele respondeu ainda mais devagar:
-- Professor universitário. História da Arte... e Simbologia. Em Harvard.
A dra. Brooks baixou a lanterna, mostrando-se surpresa. O médico de sobrancelhas revoltas pareceu igualmente espantado.
-- O senhor é americano?
Langdon a encarou com um olhar intrigado.
-- É só que... -- Ela hesitou. -- O senhor não tinha documento nenhum
quando chegou. Como estava de paletó de tweed da Harris e sapatos
sociais, imaginamos que fosse britânico.
-- Eu sou americano -- assegurou-lhe Langdon, exausto demais para explicar sua preferência por alfaiataria de qualidade.
-- Está sentindo alguma dor?
-- Na cabeça -- respondeu Langdon, o latejar em seu crânio agravado pelo
brilho forte da lanterna. Felizmente, a médica a guardou no bolso e
pegou seu pulso, para medir os batimentos. -- O senhor acordou gritando
-- falou. -- Consegue se lembrar por quê?
Langdon voltou a ter um lampejo da estranha visão da mulher de véu, cercada de corpos em agonia. Busca e encontrarás.
-- Tive um pesadelo.
-- Sobre o quê?
Langdon lhe contou.
A dra. Brooks manteve uma expressão neutra enquanto fazia anotações numa prancheta.
-- Alguma ideia do que possa ter provocado uma visão tão apavorante?
Langdon vasculhou a memória e então balançou a cabeça, que latejou em protesto.
-- Muito bem, Sr. Langdon -- disse ela, sem parar de escrever --, agora
vou fazer alguma perguntas de rotina. Que dia da semana é hoje?
Langdon pensou por alguns instantes.
-- Sábado. Eu me lembro de estar andando pelo campus hoje mais cedo...
de participar de um simpósio à tarde e depois... acho que essa é a
última coisa de que me lembro. Eu levei um tombo?
-- Já vamos falar sobre isso. O senhor sabe onde está?
Langdon deu seu melhor palpite:
-- No Hospital Geral de Massachusetts?
A dra. Brooks fez outra anotação.
-- Existe alguém para quem devamos telefonar avisando? Mulher? Filhos?
-- Ninguém -- respondeu Langdon sem precisar pensar.
Sempre gostara da solidão e da independência que sua vida de solteiro
lhe oferecia, embora precisasse admitir que, nas condições em que se
encontrava, preferiria ter um rosto conhecido ao seu lado.
-- Eu poderia telefonar para alguns colegas, mas não vejo necessidade.
Quando a dra. Brooks terminou de medir o pulso de Langdon, o médico mais
velho se aproximou. Alisando as sobrancelhas revoltas, sacou um pequeno
gravador do bolso e o mostrou à colega. Ela assentiu, indicando que
entendera, e voltou a encarar o paciente.
-- Sr. Langdon, quando chegou hoje mais cedo, o senhor estava murmurando repetidamente uma coisa.
Ela lançou um olhar ao dr. Marconi, que ergueu o gravador digital e apertou um botão.
Uma gravação começou a tocar e Langdon ouviu a própria voz grogue
balbuciar repetidas vezes a mesma frase: "Ve... sorry. Ve... sorry."
-- Me parece -- continuou a doutora -- que o senhor estava dizendo "Very sorry. Very sorry".
Langdon concordou, embora não se lembrasse de nada daquilo.
A dra. Brooks o fitou com um olhar tão intenso que chegava a ser perturbador.
-- Tem alguma ideia de por que diria isso? O que o senhor lamenta tanto?
Enquanto se esforçava para tentar lembrar, Langdon tornou a ver a mulher
de rosto velado parada à margem de um rio vermelho-sangue, cercada de
corpos. Sentiu outra vez o fedor da morte.
Foi invadido pela sensação repentina, instintiva, de que estava correndo
perigo... não só ele como todos os demais. Os bipes do monitor cardíaco
aceleraram na mesma hora. Seus músculos se retesaram e ele tentou se
sentar.
A dra. Brooks se apressou em pousar a mão com firmeza sobre seu peito,
forçando-o a se deitar novamente. Então lançou um olhar rápido para o
médico barbudo, que foi até um dos cantos do quarto e começou a preparar
alguma coisa.
Em pé ao lado de Langdon, a doutora voltou a falar com um sussurro:
-- Sr. Langdon, ansiedade é uma reação comum a traumatismos cranianos,
mas o senhor precisa manter sua pulsação baixa. Não deve se mexer nem se
agitar, apenas fique deitado e descanse. Vai ficar tudo bem. Aos
poucos, vai recuperar a memória.
O outro médico voltou com uma seringa, que entregou à dra. Brooks. Ela injetou o conteúdo no acesso intravenoso de Langdon.
-- É só um sedativo leve para acalmá-lo -- explicou -- e para aliviar a
dor. -- Ela se levantou para ir embora. -- Vai ficar tudo bem, Sr.
Langdon. Agora durma. Se precisar de alguma coisa, aperte o botão ao
lado da cama.
Ela apagou a luz e se retirou junto com o médico barbudo.
No escuro, Langdon sentiu o efeito quase imediato da medicação em seu
organismo, arrastando-o de volta para as profundezas do poço do qual
havia emergido. Combateu a sensação, forçando os olhos a permanecerem
abertos na escuridão do quarto. Tentou se sentar, mas seu corpo parecia
feito de concreto.
Ao mudar de posição na cama, Langdon se viu outra vez de frente para a
janela. As luzes estavam apagadas e, no vidro escuro, seu próprio
reflexo havia desaparecido, substituído por um horizonte distante e
iluminado.
Em meio às silhuetas de torres e domos, uma fachada em especial se
destacava em seu campo de visão. A construção era uma imponente
fortaleza de pedra, com ameias no parapeito e uma torre de mais de 90
metros, que ficava mais larga perto do topo projetado para fora, também
com ameias munidas de balestreiros.
Langdon se sentou na cama com as costas eretas, fazendo a dor na cabeça
explodir. Lutou contra o latejar violento e fixou o olhar na torre.
Conhecia bem aquela estrutura medieval.
Era única no mundo.
Infelizmente, porém, ficava a quase 6.500 quilômetros de Massachusetts.
Do lado de fora, escondida nas sombras da Via Torregalli, uma mulher
robusta desmontou sem o menor esforço de uma moto BMW e avançou com o
andar decidido de uma pantera que persegue sua presa. Tinha um olhar
feroz. Os cabelos curtos e espetados se destacavam contra a gola
levantada de uma jaqueta de couro preta. Ela verificou a arma equipada
com silenciador que trazia nas mãos e ergueu os olhos para a janela do
quarto de Robert Langdon, onde a luz acabara de se apagar.
Mais cedo naquela mesma noite, sua missão original dera terrivelmente errado.
O arrulho de uma simples pomba havia mudado tudo.
Agora ela estava lá para consertar o estrago.
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